quinta-feira, 27 de agosto de 2009


Agora que o silêncio é um mar sem ondas,

e que nele posso navegar sem rumo,

não respondas às urgentes perguntas que te fiz.

Deixa-me ser feliz assim, já tão longe de ti como de mim.

Perde-se a vida a desejá-la tanto.

Só soubemos sofrer enquanto o nosso amor durou.

Mas o tempo passou, há calmaria...

Não perturbes a paz que me foi dada.

Ouvir de novo a tua voz seria matar a sede com água salgada...


Miguel Torga

terça-feira, 18 de agosto de 2009


A alegria é um pássaro

que só vem quando quer.

Ela é livre.

O máximo que podemos fazer

é quebrar todas as gaiolas

e cantar uma cançãode amor,

na esperança de que ela nos ouça...


(Rubem Alves)

Canção Amiga


"Eu preparo uma canção em que minha mãe se reconheça.
Todas as mães se reconheçam, e que fale como dois olhos.
Caminho por uma rua que passa em muitos países.
Se não me vêem, eu vejo e saúdo velhos amigos.
Eu distribuo um segredo como quem ama ou sorri.
No jeito mais natural dois carinhos se procuram.
Minha vida, nossas vidas formam um só diamante.
Aprendi novas palavras e tornei outras mais belas.
Eu preparo uma canção que faça acordar os homens
e adormecer as crianças."

(Drummond).

quinta-feira, 13 de agosto de 2009


“Perguntaram-me se acredito em Deus. Respondi com versos do Chico:


“Saudade é o revés do parto,

É arrumar o quarto para o filho que já morreu.


”Qual é a mãe que mais ama?

A que arruma o quarto para o filho que vai voltar,

Ou a que arruma o quarto para o filho que não vai voltar?

Sou um construtor de altares.

Construo altares à beira de um abismo

Escuro e silencioso.

Eu os construo com poesia e música.

Os fogos que neles acendo

Iluminam o meu rosto

E me aquecem.

Mas o abismo permanece

Escuro e silencioso.


Rubem Alves

terça-feira, 11 de agosto de 2009


Explicação


O pensamento é triste;

o amor, insuficiente;

e eu quero sempre mais do que vem nos milagres.

Deixo que a terra me sustente:

guardo o resto para mais tarde.

Deus não fala comigo - e eu sei que me conhece.

A antigos ventos dei as lágrimas que tinha.

A estrela sobe, a estrela desce...

- espero a minha própria vinda.

(Navego pela memória sem margens.

Alguém conta a minha história

E alguém mata os personagens.)


Cecília Meireles

terça-feira, 4 de agosto de 2009


Despedida


Adeus,

que é tempo de marear!


Por que procuram pelos olhos meus

rastros de choro,direções de olhar?


Quem fala em praias de cristal e de ouro,

abrindo estrelas nos aléns do mar?

Quem pensa num desembarcadouro?

- É hora, apenas, de marear.


Quem chama o sol?

Mas quem procura o vento?

e âncora? e bússola? e rumo e lugar?

Quem levanta do esquecimento

esses fantasmas de perguntar?


Lenço de adeuses já perdi...Por onde?

- na terra, andando, e só de tanto andar...

Não faz mal. Que ninguém responde

a um lenço movido no ar...


Perdi meu lenço e meu passaporte

- senhas inúteis de ir e chegar.

Quem lembra a fala da ausência

num mundo sem correspondência?


Viajante da sorte na barca da sorte,

sem vida nem morte...


Adeus,

que é tempo de marear!


Cecília Meireles

Anfiguri


Aquilo que eu ous0

Não é o que quero

Eu quero o repouso

Do que não espero


Não quero o que tenho

Pelo que custou

Não sei de onde venho

Sei para onde vou


Homem, sou a fera

Poeta, sou um louco

Amante, sou pai


Vida, quem me dera

Amor, dura pouco

Poesia, ai!...


Vinicius de Moraes